Estudo conduzido pelo Projeto Campo Futuro revela que, em propriedades de alta captação de leite, manter fêmeas excedentes em recria pode reduzir o retorno financeiro.
A pecuária leiteira brasileira, marcada por sua diversidade de sistemas produtivos, enfrenta decisões estratégicas que influenciam diretamente sua rentabilidade. Uma delas diz respeito à retenção de fêmeas excedentes para recria. Embora essa prática seja comum em algumas propriedades como alternativa para diversificar a renda, ela pode, dependendo do sistema, comprometer significativamente os resultados econômicos.
Com o objetivo de mensurar esse impacto, o Projeto Campo Futuro, desenvolvido pelo Sistema CNA/Senar em parceria com o Cepea (Esalq/USP), analisou três propriedades típicas situadas em Guaratinguetá (SP), São Miguel do Oeste (SC) e Uberlândia (MG). Essas unidades representam diferentes níveis de produtividade, com médias de captação diária por vaca de 10, 14 e 18 litros, respectivamente.
Análise comparativa: recria x produção de leite
Para realizar a simulação, considerou-se a manutenção da taxa de descarte vigente em cada propriedade. A partir daí, foi estimado o número de novilhas necessárias para reposição e identificado o excedente de fêmeas. Essas novilhas, por sua vez, poderiam ser vendidas de forma precoce, recriadas até os 30 meses ou, então, substituídas por vacas em lactação, desde que fossem considerados os mesmos recursos forrageiros.
Para isso, foi utilizado o conceito de equivalente em vacas, baseado na estimativa de consumo de matéria seca (MS): 2% do peso vivo (PV) para novilhas em recria e 2,5% para vacas em lactação, ambas em sistema semi-confinado. Assim, tornou-se possível comparar os impactos sobre receita e margem, conforme os diferentes percentuais de retenção das novilhas excedentes — de 20% a 100%.
Resultados: produtividade é fator decisivo
A simulação apontou que, na propriedade de Guaratinguetá (SP), o resultado financeiro foi superior quando se priorizou a venda das novilhas excedentes. Devido ao baixo nível de produtividade individual — em torno de 10 litros/dia —, a manutenção de vacas em lactação não compensaria economicamente o uso dos recursos destinados à recria.
Contudo, o cenário foi diferente nas propriedades de São Miguel do Oeste (SC) e Uberlândia (MG). Nesses casos, a retenção de novilhas gerou menor retorno econômico. Ao invés disso, a alocação dos recursos forrageiros para vacas em produção resultou em maior receita e margem.
“A recria de fêmeas em sistemas mais produtivos pode representar uma perda de oportunidade, já que o leite, nesses casos, entrega retorno financeiro superior”, destaca a análise elaborada pelo Cepea.
Esse comportamento é explicado pela eficiência no uso dos recursos disponíveis. Quando vacas de alta produtividade são mantidas em lactação, elas geram mais receita por unidade de alimento consumido do que novilhas em desenvolvimento.
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Custo de oportunidade e decisão estratégica
Apesar da aparente atratividade de se manter fêmeas para venda futura, o custo de oportunidade precisa ser considerado. Nos sistemas de São Miguel do Oeste e Uberlândia, a escolha pela recria implicaria abrir mão de margens mais elevadas, caso os mesmos recursos fossem direcionados à produção de leite.
A simulação evidenciou que, à medida que a retenção de fêmeas aumentava, a margem líquida dos sistemas mais produtivos tendia a crescer — desde que esses recursos fossem realocados para manter mais vacas em lactação. Assim, uma relação direta entre produtividade individual e rentabilidade foi observada.
“A partir de certo nível de produtividade, cada unidade de forragem utilizada por uma vaca em lactação gera mais retorno do que quando destinada a uma novilha”, reforça o estudo.
Considerações finais: foco na eficiência
A pesquisa indica que a decisão sobre reter ou não fêmeas excedentes deve considerar o nível tecnológico da propriedade, além de sua produtividade atual. Em propriedades de baixa produtividade, como a de Guaratinguetá, a venda de novilhas pode representar uma estratégia complementar válida. Entretanto, em sistemas mais eficientes, priorizar a produção de leite tende a garantir maior retorno financeiro e melhor aproveitamento dos recursos.
Portanto, ao buscar estratégias de diversificação e crescimento, o produtor precisa equilibrar os objetivos de longo prazo com os resultados imediatos, avaliando não apenas a possibilidade de comercializar animais de maior valor agregado, mas também a rentabilidade marginal do leite em cada contexto.
 
			  
 
									 
									 
									