Especialistas descobrem em araucárias matéria-prima de farinha nutritiva

por | out 16, 2022 | Editoria Especial, Editoria Especial Destaque | 0 Comentários

Por Kamila Marinho e Marco Calejo 

As cortinas da sala se abrem para um novo dia. Pelas frestas da janela da cozinha, os raios de luz anunciam o amanhecer. Enquanto a chaleira assovia no fogão, a mesa está sendo posta. É a hora sagrada do cafezinho. Café, um dedo de prosa e o pãozinho. O pão nosso. Alimento milenar, simbólico e indispensável em muitos lares.

Além do som peculiar que vem do atrito da faquinha de serra cortando o filão ao meio, também há vestígios de migalha na toalha. “Sacode na pia para mim, Mário”, pede Margarida Scarpelli ao marido. Entre um gole e outro no café com leite, ela entrega a preferência. “Eu gosto mesmo é de pão francês com manteiga”.

O pão francês está fresco, quentinho e crocante. A fornada acabara de sair. Logo cedo, a procura pelo queridinho das padarias já é grande. “Próximo da fila”, chama o atendente atrás do balcão. “Quero meia dúzia dos mais clarinhos”, responde a cliente. O cheiro é inconfundível, é de abrir o apetite. E é assim a todo momento.

Com o passar do tempo, observada a paixão pelos pães, os profissionais agregaram novos ingredientes. As fórmulas incluem farinha de trigo, de semolina, de aveia, de centeio, de glúten, de cevada e de pinhão. Isso mesmo, o pinhão – a semente produzida pelas araucárias também está na receita de especialistas.

Para a chef de cozinha Helena de Menezes, a farinha de pinhão é uma ótima alternativa para produzir pães, já que a semente é saborosa e rica em nutrientes. “Essa farinha mantém todos os níveis de necessidade de leveza, de aspecto e de nutrientes, o que é mais importante”. Helena sugere que com a farinha de pinhão, além de fazer o filão de fermentação natural, também sejam produzidos pães doces.

“Podem ser recheados com creme, scone, que é uma receita para um lanche rápido, um pão quebradiço e com uma cor linda. Os pães podem ser recheados com tâmaras, com damascos, com castanhas e com pistaches. Em todos os testes, eles ficaram com qualidade e um sabor muito bom”, diz Helena.

Gastrólogo especializado em panificação e professor no Sampapão, organização que representa o setor de pães e confeitaria na capital paulista, Fabio Bruno da Silva reforça a versatilidade do pinhão, especialmente quando transformado em farinha.

“Nós conseguimos adaptá-lo para todos os tipos de massa, desde um tradicional pão francês, que eu posso colocar uma quantidade para dar uma enriquecida neste pão, tanto nutricional quanto em sabor, como também podemos fazer pães doces, cremes e até voltado aos pães que estão no auge, que são os de fermentação natural”, explica Fábio.

O pinhão é produzido pelas araucárias, árvores cultivadas especialmente nas regiões Sul e Sudeste do Brasil. Em Delfim Moreira, cidade de Minas Gerais, a semente faz parte de um projeto inédito desenvolvido nas escolas municipais, onde ela foi incluída na merenda escolar das crianças.

No início deste semestre, a culinarista Helena de Menezes foi convidada pela Prefeitura da cidade mineira para ministrar um curso para as merendeiras. A profissional da gastronomia compartilhou receitas que substituem a carne pelo pinhão, garantindo a qualidade nutricional e diminuindo o custo das refeições.

O município também tem investido na fabricação da farinha da semente para produzir pães de pinhão e oferecê-los nas unidades escolares. Joelma Pádua, secretária municipal de Agricultura, Pecuária e Meio Ambiente de Delfim Moreira, destacou o objetivo do projeto. “O nosso foco é valorizar o pinhão, valorizar o catador de pinhão e agregar valor à cadeia produtiva”.

Dono de uma pousada na cidade vizinha, em Córrego do Bom Jesus, Oliver Redfern inseriu pão feito com farinha de pinhão no café da manhã dos hóspedes. O empresário lembra que logo no primeiro fim de semana em que o produto foi oferecido aos clientes, o sabor conquistou o paladar.

“Coloquei o pão no café da manhã e ele foi meio que o item carro-chefe”, contou Oliver. “Ficou uma delícia. Nós também adoramos os que provamos aqui, foi ótimo”.  Além de dar um toque especial nos pães, a farinha de pinhão foi objeto de análise científica. Estudos publicados pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) apontam para os benefícios da matéria prima à saúde. O produto é uma boa alternativa para as pessoas com doença celíaca, que é a intolerância ao glúten.

Pesquisadora da Embrapa, Cristiane Helm afirma que a farinha de pinhão, além de ser benéfica para quem precisa manter dietas restritas ao glúten, também traz outras qualidades à saúde. “Ela também contém baixo teor de sódio, outra vantagem para pessoas hipertensas, e fibras alimentares que auxiliam na digestão”. Helm destacou ainda sobre o baixo teor de lipídios. “Tem menos de 1%, então também tem vantagem para as pessoas com colesterol alto”. 

De acordo com a cientista, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária desenvolveu técnicas para produzir pães com farinha de pinhão. “Não tem a mesma função do glúten, não traz a elasticidade e coesividade, mas ela incorporada nas receitas com outras farinhas, como a de arroz, a de milho e a de mandioca, faz com que a massa cresça e fique com características de produtos de panificação”.

Há 15 anos, a Carolina Birenbaum descobriu que tem intolerância ao glúten. No início, ela disse que demorou para assimilar a notícia, mas que com o passar do tempo se acostumou com a condição. “Ler as bulas e os ingredientes passou a fazer parte”.

Para adequar a alimentação à realidade, a produtora de eventos buscou opções de pães produzidos com ingredientes alternativos. Foi aí que ela conheceu a farinha de pinhão. “Ela vem para cobrir uma lacuna dentro de uma alimentação saudável, com nível proteico em valores competitivos. Essa é uma opção para quem é intolerante ao glúten”.

A cada dia, os pães ganham novas receitas, recheios e sofisticação. Tem filão para todos os gostos, bolsos e necessidades. No apagar das luzes, o silêncio da noite predomina. Famílias retornam para os lares, pesquisas são concluídas e padeiros seguem para o trabalho. Na casa da Dona Margarida, é hora de dormir. Fecham-se as cortinas da sala. Amanhã, tem mais pãozinho fresco sobre a mesa.

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