Saúde mental no campo: 9 milhões de trabalhadores rurais convivem com transtornos mentais

por | jun 27, 2025

Em 2022, cerca de 18,4% da população rural brasileira, o equivalente a 9 milhões de trabalhadores, apresentaram transtornos mentais, incluindo 7,6% com diagnóstico de depressão. Esses números revelam um problema silencioso e preocupante que atinge diretamente quem trabalha no agro: o adoecimento emocional dos produtores rurais. Sintomas como cansaço extremo, desânimo e sensação de que o trabalho perdeu o sentido são cada vez mais frequentes, afetando não apenas a saúde dos trabalhadores, mas também a sustentabilidade do campo.

Esses dados fazem parte de uma pesquisa conduzida pelo Kennedy Alecrim, bolsista da CAPES e integrante do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações da Universidade de Brasília (UnB). Kennedy, que cresceu em uma família ligada ao agronegócio, percebeu uma lacuna significativa na compreensão do bem-estar mental no meio rural: “Temos uma massa de trabalhadores expostos a riscos emocionais, mas ainda avaliados por teorias e questionários criados para realidades urbanas. Essa desconexão dificulta o entendimento real das condições de saúde mental no campo e compromete a eficácia de políticas públicasT.”

Enquanto países como Austrália e Canadá já reconhecem a saúde mental no campo como questão de saúde pública, no Brasil o tema ainda é pouco debatido e invisível para muitos. A partir de revisões bibliográficas e análises preliminares, o estudo identificou nove estressores ocupacionais que explicam o adoecimento emocional dos produtores: sobrecarga de trabalho e falta de tempo para si mesmo, insegurança quanto ao futuro da atividade, pressões de legislações desconectadas da realidade rural, isolamento físico, preocupação constante com as finanças da propriedade, conflitos familiares ou societários, dificuldades na sucessão rural, imprevistos como clima e falhas técnicas, e o conflito entre tradições do campo e as novas tecnologias.

Kennedy ressalta que esses fatores geram sintomas de depressão ocupacional, como fadiga constante, angústia e perda de sentido no trabalho, mas que o impacto varia conforme o perfil do produtor, cooperado, integrado ou autônomo, além de idade, região e estrutura familiar. Por isso, “precisamos de ferramentas específicas que considerem essas nuances”, destaca.

O estudo propõe desenvolver instrumentos exclusivos para o campo, que respeitem a cultura, a linguagem e as particularidades do universo rural. Essa iniciativa visa gerar avanços em três frentes: científica, social e política. Na área científica, o estudo contribui para a psicologia do trabalho no meio rural; socialmente, oferece subsídios para ações de prevenção e valorização da permanência no campo; e, politicamente, fornece dados para políticas públicas mais eficazes que alcancem a realidade emocional do produtor.

A discussão sobre saúde mental no agro tem ganhado espaço também nas redes sociais. Um exemplo é o vídeo dos Primos Agro, influenciadores do setor, que tratam o tema com empatia e seriedade, ajudando a ampliar o debate e romper o silêncio em torno do sofrimento emocional na vida rural.

Confira o vídeo clicando aqui

Para Kennedy Alecrim, cuidar da saúde mental no campo é fundamental não apenas para o bem-estar das pessoas, mas também para a sustentabilidade do setor. “Falar sobre saúde mental no agro é falar de gente. Quando a gente fala em saúde mental, a gente também está falando em produtividade sustentável, em reduzir o êxodo rural e em oferecer um trabalho mais humano, com sentido”, conclui.